Estação do Amor

A Deus, Pai da Criação
E da minha vida... infinita.
Aos co-criadores da minha finita porção:
Meus pais – Pedro e Zenaide.


“Nosso coração muda constantemente de lugar
Até encontrar o amor divino;
Só então descansa”.
Tagore

Apresentação


Tempo, tempo
Como lamento
Mais tempo... não ter.

Correndo contra o tempo
Trabalhei neste livro, intensamente.
Dispondo, como tempo, da noite
E da cumplicidade do seu silêncio...
O cenário foi o universo
E a minha própria vida.
Os personagens, muitos fictícios,
Meus sentimentos e emoções... todos reais!
Mantidos, tanto tempo, guardados
Menos por egoísmo
Mais por acomodação...
No recôndito do meu coração.
E, hoje, como um filho,
Que uma vez nascido,
Ao ventre materno não retorna,
Trago-o à luz,
Para que muitos o conheçam
Desejando que o amor,
Que todo ele permeia,
Encontre eco e cumplicidade
No seu coração... caro leitor!

Eliza Teixeira de Andrade

Estação do Amor


Setembro chegara
Inspirando a natureza
A pintar de mil cores
As flores que brotavam do seu ventre...

E te amei com um amor adolescente
Que vê na vida eterna primavera
Desconhecendo o limiar entre a dor e a quimera

O tempo passou, trazendo o verão
Que chegou cavalgando nos raios de sol,
E te amei, com tórrida paixão

Quando partiste, o outono
Já havia sazonado o fruto da espera;
Filho do sol e da primavera

E no inverno, quando o sol alcançou
O solstício de junho, hibernei
Meu coração num cobertor...
Sonhando com a primavera:
A estação do amor.

Ode à Natureza


Escurece...
No seio da mata
Mil vaga-lumes
Acendem os lumes
Pra noite clarear.

E a orquestra de sapos
E grilos, em festa,
No charco e no galho
Se põe a tocar...

Amanhece...
Despertando do sono
E batendo as asas
O galo canta,
Pra o dia anunciar.

E saindo dos ninhos
Os pássaros gorjeiam
E voando nos ares
Se põem a bailar.

E sempre se alternando
Em noite e em dia,
A vida continua,
Com o sol e a lua
Cumprindo a tarefa
De a Terra iluminar.

O Cigano


Atraído pelo som
Da música e já desperta,
Saiu à janela...
De onde, do alto,
Podia visualizar
Aquele exótico cenário:

Uma fogueira a crepitar
E à sua volta
Homens e mulheres
Tocando e dançando...
Eram ciganos!

Sobressaindo, entre eles,
Aquele jovem moreno,
De lisos cabelos negros,
Que batia palmas
No ritmo do sapateado
E do seu coração,
Que fremia, acelerado...

No céu, a lua projetava
Seus raios prateados,
Que contrastavam com as douradas
Chamas do fogaréu...

E quando, da noite, o véu
Foi rasgado pelo astro-rei da criação,
Percebeu que o grupo partia
E, com ele, o cigano seguia,
Deixando prenhe o seu coração.

Ressurreição


Era madrugada,
A parte mais escura da noite.
Aos poucos, nossos olhos foram se acostumando
E, juntos, notamos argêntea claridade.

Na pureza arrebatadora do céu,
O escuro matiz da sua abóboda
Confundia-se em suaves gradações
Com a cor das águas cinzentas,
Na linha do horizonte.

O mar rugia, em dores de parto!

Aos poucos, vimos, surgindo
Do ventre do mar, nascendo
Qual imensa esfera de fogo, o Sol!

Meu Deus! Que portentosa visão!

E nós, na praia
Com a natureza integrados,
Ouvimos a Sinfonia da vida...
No som sibilante do vento,
No farfalhar das folhas, no coqueiral,
No marulhar das ondas,
No coro dos pássaros
Que entoavam singelas canções
... E no rufar dos nossos corações!

Vimos, então, o céu se inclinando,
Para, em seu manto, acolher,
Num gesto de amor maternal,
O astro-rei, a renascer...
E o infante, agradecido, a faiscar,
Refletia-se em milhões de facetas,
Na imensidão do mar.

Inebriados de felicidade,
Agradecemos ao Senhor da Criação,
E, de mãos dadas, eu e meu filho
Elevamos a Deus uma oração.

O Som da Criação


Reunidos num mesmo cenário,
Eu vi um músico e um pintor
Que extasiados, contemplavam o pôr-do-sol...

Após alguns instantes, munido de tintas e pincel,
O pintor assentou sobre o cavalete uma tela.
E desdobrando as formas,
Na mistura sem fim das linhas e das cores,
Na sua tela registrou um breve momento
Da beleza e paz exterior.

O músico, então, tocado
Nas fibras do coração,
Seu violino empunhou
E do mesmo extraiu som divinal...
Que, brotando da sua alma,
Ecoou no caudal do infinito...

Quando o pintor terminou o seu quadro,
Em algum canto o deixou solitário,
Separado dos toques de amor
Das mãos que o criaram.

Mais tarde, o músico também se foi
E com ele a sua música
Jungida em eterna união
Com a vida e alegria do seu Criador.

À noite, no leito deitada,
Senti a dança da vida
No meu pulsante coração.

E os milhões de átomos vivos
Do meu corpo semi-adormecido
Ainda vibravam afinados,
Pelo pensamento, sintonizados
Com o som da Criação.
______
Nota da autora: poema inspirado em texto de Tagore.

Meu Viver


Sobre o rio, a ponte,
A permitir a passagem,
De uma pra outra margem.

No meio da praça, a fonte,
Espelho d’água constante,
A embelezar o jardim.

No escuro da noite, a lua,
Com sua luz prateada,
Iluminando a fonte, a rua,
O rio, embaixo da ponte...

Em meu pensamento, você!
Minha ponte,
Minha fonte,
Meu jardim.
Minha lua,
Minha rua,
Meu viver!

O Meu Querer


Quero do canto
Encanto
Do olhar
O pranto
De emoção divina.

Quero do baile
A valsa
Do andar
A graça
Da gentil menina.

Quero no altar
Do sacrifício
Imolar o vício
Do desejo vão.

Quero da vida
A parte
Que não se acaba
Quando os dias vão.

Canção do Amor


Eu quisera poeta ser
Para o amor descrever
Mas tantos dele falaram
Que até, parece, esgotaram
O que dele eu poderia dizer.

Mas o amor não se esgota,
É fonte que sempre brota,
Que está sempre a renascer.

É um sentimento nobre,
Sem preconceito ou vaidade,
Que assalta o rico, o pobre,
Sem ver sexo, raça ou idade.

Mas o amor que fica,
A dois seres limitado,
Se floresce, não frutifica,
Se brota, fica mirrado.

Pois a fartura só vem
Quando é grande a plantação,
E muitas mãos têm
Pra cuidar da irrigação.

Assim, o amor é generoso,
A muitos estende as mãos,
Não é egoísta, orgulhoso,
A todos chama irmãos!

A Busca

A Dr. Conrad Spainhover

Vergado ao peso da dor
E de inominável desalento,
Da margem daquele rio
Um dia, ele partiu...

Ia em busca de ideais,
Sempre além do seu alcance,
Subiu e desceu montanhas,
Atravessou florestas e vales
E nas cavernas abissais,
Conheceu, da terra, as entranhas.

Um dia, cansado de procurar
Aquele algo místico, resolveu retornar
À mesma margem do rio...

E olhando para as suas águas,
Que lentas desciam, em direção ao mar,
O sentido da vida – concluiu –
É no oceano do Amor desaguar!

O Sorriso de Deus


“As crianças são o sorriso de Deus”
Madre Tereza de Calcutá

Aquela noite, o Pintor
Do universo não quis
Tirar as cores do céu.
Estava feliz...

E querendo expressar
Esta felicidade
Mandou, então, o luar
Clariar aquela cidade

Para que alguém,
Atraído pela sua claridade,
Olhasse para o céu
E o visse a sorrir

Na imensa lua cheia
E visse, também,
O brilho dos olhos seus
Refletido nas estrelas

A cintilar, no infinito.
Lembrei-me, então,
Das crianças aqui da Terra
Que também sorriem

Quando ficam felizes...
E quando estão sorrindo
Estão, também, refletindo,
O próprio sorriso de Deus.

Lição


Olha primeiro o terreno
Que pretendes cultivar.
E se ele é árido, seco,
Não vás nele semear.

Pois o incauto lavrador
Que a terra não prepara,
Não a irriga nem ara,
Terá inútil labor.

É a natureza ensinando
E o homem sempre teimando
Em não aprender a lição.

Pela testa escorrendo
É o suor se perdendo
Caindo em gretado chão.

Pressa, Pra Quê?


Cultivando ansiedade
Andam sempre as pessoas,
Cada vez mais apressadas.
Como se fosse a vida
Uma eterna maratona a vencer!

Pressa, pra quê?

Gosto de sair de casa mais cedo,
Pra não ter que correr...
Gosto do meu ritmo, aparentemente lento,
Mas, no íntimo, tão intenso, de viver.

Pressa, pra quê?

Gosto de acompanhar a lua,
Na sua trajetória, até desaparecer.
Gosto de olhar uma estrela
E, após algum tempo, muitas outras ver.

Pressa pra quê?

Gosto de sempre estar consciente,
Para os sinais da Tua presença perceber...
Desde o despertar...
...Até o adormecer!

Pressa... pra quê?

Redenção


Ávido de prazeres sorveu,
Até o último gole, a taça
Amarga da intemperança.

Prostrou-se um dia, cansado,
E, como estava ébrio, não viu
A figura sutil ao seu lado.
Era o amor...

– Infeliz, chorou!

Sofregamente, buscou compensação
Em amealhar teres e haveres
Que o escravizaram...

E como estava obcecado
Novamente não viu, ao seu lado,
A lhe chamar atenção, o amor...

– Arrependido, chorou!

Quando o pranto secou,
O anjo da noite o encontrou,
Desaparecido dentro de si...

Para, em seguida, emergir,
Trazendo n’alma um resto de morte,
No corpo, um resto de vida...

E no coração, o desejo
De recomeçar...
Para fruir do amor
Que estava a lhe esperar...
– Esperançoso, sorriu!

Felicidade


Quando o viu pela primeira vez
Não o reconheceu
O seu coração... talvez.

A idéia do amor idealizado
Era nítida, enquanto sentimento
Mas indefinida pra ser materializada.

Na segunda vez que o viu
Seu olhar fitou-o vagamente
Atraído pelo seu olhar insistente...

Num átomo de segundos
O olhar dele o seu capturou
E fundiram-se num só...

Quando se separaram
O brilho dos seus olhos revelava
O lampejo do amor

Desde então procurou,
Nos mais diversos lugares,
O amor reencontrar.

Atenta quanto ao caminho a trilhar
Foi descobrindo, no seu percurso,
O rastro que o amor deixara
Para norteá-la!

Um dia, já cansada
Mas com o coração leve e sem maldade
Cavou no chão uma pequena cova
E nela enterrou os seus anelos
Representados numa flor.

Cobrindo-a, em seguida,
Escreveu num papel, à guisa de lápide:
– Aqui jaz uma saudade!
E enxugando uma fortuita lágrima,
Sorriu para a vida!

O Que é Saudade


É lembrança triste, mas suave
Que nos aflige, ou angustia,
Voa alto, como ave,
Levando nossa alegria.

É vontade de rever,
Uma pessoa querida,
É causa do nosso sofrer,
No adeus, na despedida.

Mas o mal nela não está
Diz-me bem a razão,
Deve estar no lugar
Onde deixamos o coração.

Reflexão


Choramos ao nascer
Por não saber
Quem somos ou por que estamos aqui

Nosso choro é uma súplica,
Aparentemente sem réplica,
Uma tentativa de logo descobrir
Nossa verdadeira identidade.

Ao crescer, desviados do dever-ser que liberta,
Encontramos grande prazer
Em satisfazer nossos desejos imediatos
No dever-ter que acorrenta

E nos desviamos da meta...
Há, interagindo com o mundo,
Um significado mais profundo
Sobre o qual devemos refletir
Pois é a razão final do nosso existir.

Alçando os olhos aos céus
E abstraindo-nos do mundo
Encontramos a resposta
À nossa pergunta inicial:
“Quem sou eu?”

O Cristo, em nós, responderá:
“Eu sou um fanal
Atraindo, para Deus,
As criaturas, luzes como Eu!”


No limiar da vida,
Indicaram-me a estrada
Para a Ti chegar.

Imaginei-me só
Num ponto de partida;
À frente, a distância
A me desafiar...

Disseram-me, então,
Que só nos templos
Eu poderia Te encontar.

Mas, oh! desilusão!

Pareceu-me ser uma igreja
Um espaço limitado,
Para o Cristo ressurrecto
E para o Pai da Criação!

Meu Deus, perdão!
Mas sendo, também, tua filha
Prefiro saber-Te acolhido
No sacrário do meu coração!

Suave Odisséia


Ensina teu filho a orar,
Quando em criança,
E estarás lhe entregando
A chave do portal do infinito.

Ensina o teu filho a orar,
Quando crescer,
E estarás cumprindo com o teu dever
Ensinando-o a viver...

Pois as mãos pacificadas
No exercício da oração
Nunca se levantarão
Contra a tua face ou a de um irmão.

Ensina também a orar,
Ao longo da tua jornada,
Os transeuntes que na tua escalada
Para uma nova Canaã
Já te encontraram com a fronte encanecida...

E se ainda forças te restar
Restaura nas suas almas inseguras
Uma fé ainda não nascida
Ou que jazia, esquecida,
Nos porões da desilusão!

Ensina, enfim, a tantos quanto possas
Os seus olhos voltarem
Para o céu... interior.

E estarás instalando em seu mundo
Laços de ternura
Muito da ventura
Pela suave odisséia
Que é descobrir o Amor.

Ultimato de Luz


Fitando o velário do céu,
Vejo uma estrela cadente
Rasgando seu negro véu.

Deixando no seu percurso
Um rastro de luz, refulgente,
Parece emissário divino,

Que nos lembrando a passagem
Na Terra, do Deus Menino,
Um ultimato de luz, faz:

Glória ao Pai das criaturas,
Que das celestes alturas,
Irradia Sua bondade;

E, em troca, somente pede,
Aos homens, Boa Vontade
Pra que na Terra floresça
A nova era de Paz.

Lembranças


“Morro à míngua, meu Deus, de um sorriso!
Tenho sede, Senhor, de um olhar.”
Castro Alves, in “Longe de Ti”


O relógio do tempo não pára,
Marca horas de largos momentos,
E as lembranças que trago de outrora
Fluem fácil no meu pensamento.

São lembranças de tempos felizes,
Que a vida nos brinda, ao passar,
Vão e vêm, como plumas ao vento,
Inspiradas nas ondas do mar.

No silêncio da noite, anelo,
Ao país dos meus sonhos, voltar,
E no rosário de estrelas luzidas
Desfiar uma a uma a rezar.

Vejo, então, nesse breve vislumbre,
A razão do meu inquieto cismar;
Eu preciso, Senhor, de um sorriso!
Tenho sede, Meu Deus, do Teu olhar.

Libertação


Passei a vida
Acariciando quimeras
Fruto da minha imaginação.

Um dia, desiludida,
Achando-me ferida,
Tranquei meus sentimentos
E indagações no coração.

Pudera!
Tentava, assim, preservá-los
Da poluição exterior
E da contaminação
Decorrente da inversão dos valores.

Muitos anos haviam se passado
Quando retornei ao refúgio
Onde jaziam, aprisionados,
Os meus sentimentos...

E abrindo a comporta
Libertei as mágoas
E, com elas, as emoções represadas
Que estuaram felizes... livres!

E as palavras reprimidas
Na garganta, sem expressão,
Pelo pranto, emudecidas,
Foram colhidas... como se colhem flores.

E as flores plantadas
No jardim das minhas quimeras
Transformaram-se em frutos,
Fruto da minha imaginação.

O Palco da Vida


Nos livros de histórias
Que li na minha infância
– E foram muitos –
Eu buscava identificação
Com os seus personagens.

E cada livro que abria,
Era como se subisse em um palco,
Em cujo camarim,
Mudava a indumentária
Como uma pequena atriz.

Assim, com a narrativa envolvida,
Fui Chapeuzinho Vermelho,
Narizinho, a dona da boneca Emília,
Branca de Neve, A Bela Adormecida,
Como um novo Narciso... sem espelho.

E quando o livro eu fechava
Os refletores não se apagavam;
À mercê, ficavam, da realidade
Em sonho transformada...

Naquele reino encantado,
Que era a minha família,
Os meus irmãos eram príncipes,
A minha mãe, rainha.

E eu, única menina,
Era a princesinha,
Num trono especial, sentada,
O colo do meu pai – o rei!

Paixão


Quando você me pediu sorrindo
Uma poesia, expressando paixão,
Sentei-me à mesa, remoendo idéias,
Trazia lápis e papel na mão.

Busquei nos idos, momentos vividos,
A fonte da minha inspiração,
Entrei nos sonhos, desvendei segredos,
Batia forte o meu coração!

Fui sondar, então, o infinito,
Para ter, do problema, a solução,
Encontrei, numa estrela cadente,
Sua real representação.

Concluí que paixão é delírio,
É um fogo que abrasa e consome,
Queima a lenha, deixando as cinzas,
É um fruto do ego – sem nome.

Revelação


Não tema! Mostre ao mundo
Seu verdadeiro rosto,
Há tempos escondido
Debaixo de véus

Olhe-se no espelho!
Fite os seus olhos,
Que estão vermelhos
De tanto chorar.

Saia para a rua!
Sinta-se despida,
Exponha a ferida
Que não quer curar...

... E o sol benfazejo,
Rubro de desejo,
Irá lhe dar um beijo,
Por você se amar!

Concessão e Doação


Buscando desvincular-me
Do Código que sobre o assunto versa,
O universo auscultei
E nele encontrei a diferença
– causa do meu indagar –
Entre o conceder e o doar

Sempre preso a intricado plano
De muito reter e possuir,
A concessão, concluí,
É inerente ao ser humano
Ainda materializado

Que, como cruel senhor,
Permanece à posse imantado,
Conservando algemado
O novo possuidor...

Prima-irmã da caridade
E de desapego, lição,
A doação, ao contrário,
Faz mudar todo cenário
Deixado pela concessão.
E sem pedir nada em troca,
De forma plena, liberta
Doador e donatário.

O Tempo


Só Deus é senhor do tempo.

Onde estão agora
Todos os reis e imperadores
Que passaram, pelo mundo, afora,
Arrastando um séqüito de aduladores?

E agora, onde estão?
Os estrategistas de guerra
Que transformaram a terra
Num cenário de destruição?

Todos foram triturados, sem dó,
Sob a roda do tempo,
Fundidos uns nos outros... no pó!

O tempo é um fluxo constante
E, como um rio, segue adiante
Sem jamais voltar atrás...

Paroxismo


Vendo cenas violentas
De guerra, na televisão,
Fiquei estarrecida com a imagem

De uma criança, que despida
E queimada fugia da explosão
De mísseis e granadas...

Fora tão forte a imagem,
Que eu não mais escutava
O que o repórter falava.
Nem precisava!

E ungi suas feridas
Com o óleo da compaixão
E percebendo-a febril,
Colhi nas pétalas do meu carinho
O orvalho da madrugada,
Para depositá-lo
Nos seus lábios ressequidos...

Sobre o seu corpinho
Queimado e nu
Somente a brisa suave
Da noite para refrescá-lo
E aliviar-lhe a dor!

Adormecemos...
Quando despertei,
Não mais vi a criança
Ao meu lado

Os primeiros raios de sol
Atravessando a vidraça
Da janela vieram aquecer-me
Dando a sensação
Do calor da sua presença...

Durante muito tempo,
Fiquei a refletir
Sobre o drama da petiz.
E de tantas crianças
Que em algum país distante
São vítimas da guerra.

Que em outros, como o nosso,
São vítimas da violência urbana,
Do crime sem nome,
Da fome que lhes consome,
Do medo da fome,
Por falta de amor!

SOS Poupées


Localizada à rue de Rivoli,
Naturalmente, em Paris,
Clínica conceituada
Que restaura bonecas
Das guerras resgatadas.

Falava o anúncio:
“Quanto maior a extensão
“Da sua mutilação,
“Maior o nosso desafio
“E a sua satisfação
“Com o resultado obtido.

“Também obtemos
“Resultados excelentes
“Com as bonecas vindas
“De países mais distantes...”

Que jaziam esquecidas
Ao lado das suas donas,
Mortas noutros tipos de guerras:

A guerra do frio
A guerra da fome
A guerra das drogas
A guerra do medo
Que geram o conflito:
Viver ou morrer?

E o anúncio continua:
“À guisa de advertência,
“Informamos, outrossim,
“Que refazemos troncos
“Braços, pernas e joelhos
“E pintamos suas faces descoradas,
“Com carmim.

“Recolocamos lindos cabelos
“Pretos, amarelos, vermelhos,
“Dentes e olhos perfeitos.
“Redesenhamos seus lábios,
“Mas – ninguém vai reparar!
“Não conseguimos retirar
“Das suas fisionomias
“O aparvalhado olhar
“E a recusa em sorrir...”

Mãe


O mesmo Deus que te criou
O teu corpo velou
Para que não se perdesse em ti
O mistério da Criação...

A tua fragilidade aparente
Fê-la proposital;
Para salvaguardar a semente
Da vida e livrar-te do mal.

Fez que a tua força
Transcendesse à convencional
Para que sendo mãe de muitos filhos
Amasse a todos por igual.

Te fez exemplo de bravura
Nem sempre pressentida
Diluída na ternura
Que amplia o abraço, proteção querida...

Enquanto lá fora o mundo se agiganta
A paz cá dentro se faz anunciar,
É a mãe que o filhinho acalanta
Fazendo-o dormir com canção de ninar:

“Dorme filhinho que aqui é teu lar”.

O Casamento


Rodrigo tem uma amiguinha
Chamada Monine
– Que é mesmo uma gracinha!

Numa mesma cerimônia,
Foram os dois batizados
E como estudam na mesma escolinha
São os mesmos, a “pró” e os coleguinhas.

Certa ocasião,
O casal foi convidado
Para os papéis de pajem e daminha
No casório de Belinha.

Já nos ensaios,
Não deixaram dúvidas
Quanto ao bom desempenho
De tão difícil missão:
Tinham apenas três aninhos!

No dia do grande evento
Lá estavam eles a postos,
Entraram de mãos dadas
Sem qualquer intimidação
Com todos os olhares
Voltados na sua direção

Na recepção, lá estavam eles, de novo
Num constante vaivém
Sem largarem as mãos...

Mais tarde, contudo, a separação,
No colo dos pais foram levados
Dormindo, cada um para seu lado!

Na segunda-feira seguinte
Recomeçava o batente
De levar Rodrigo à escola

Em lá chegando, ele viu
Monine brincando, feliz,
Já comunicara à “pró”:

“Eu estava de princesa
E Rodrigo de príncipe
E aí... a gente se casou”

Diante do alarido
Que à sua chegada se ouviu,
Como sempre contido,
Rodrigo apenas sorriu
E a turma toda... aplaudiu!

A Minha Amiga


Tem nome de flor
A minha amiga querida.

Numa idade em que as jovens
Se aproximam por afinidade
E por espontânea vontade!
Conosco, o contrário aconteceu,

Por imposição do seu pai
(de saudosa memória)
Com a finalidade de fazê-la
Comigo estudar todas as tardes!

Mas dessa forçada convivência,
E apesar das diferenças,
Surgiu uma bela amizade
E uma mútua compreensão.

Ainda a vejo sorrindo
Na sua alegria genuína,
Como sói de acontecer à menina
Que ainda não sofreu desilusão.

Lembro do seu andar, revelando
O seu jeito descontraído de ser...
E hoje, afastadas no tempo,
Eu me pergunto, saudosa:
Margarida, cadê você?

As Gêmeas


Num arroubo de amor
Deus duplicou
O seu impulso criador

E no jardim da vida
Entre outras flores nascidas,
Belas e unidas as fez
Gêmeas... Clio e Cleis!

Meu Tesouro


Baixo, forte, acaboclado,
Era o nosso professor
De matemática e desenho
Naquele ginásio do interior.

Trazia no rosto
Traços inesquecíveis;
Testa larga, fala mansa, olhar firme!

Quando o calouro chegava
Depois de haver passado
Pelo exame de admissão

Era logo avisado,
Pelos mais adiantados:
“É preciso ter cuidado
Matemática é puxado!”

Pobre de mim!
Que durante todo o primário
Fora mais afeiçoada ao português!

Mas o tempo foi passando
E muito cedo entrevi
Sob aquele olhar carrancudo
Uma criatura adorável.

Poeta nas horas vagas
Tinha os olhos brilhantes
E ar sorridente – e convincente!
Quando estava feliz...

Guardo dele uma lição
De clara advertência:
“Desta vida o que se leva
É o saber”

Nessa humílima página
Vai a minha homenagem
Ao querido professor Altino
(De saudosa memória)

E a todas as pessoas
Que ao passarem pelo meu caminho
Colocaram um pouco do seu saber,
Como se moedas fossem,

No pequeno mealheiro
Da minha memória – meu tesouro!

E hoje, poeta nas horas vagas,
Trago os olhos brilhantes
E ar sorridente – e convincente!
Quando estou feliz...

E estou!

Dúvida

Ainda era dia...
Na crista dos montes distantes,
A tarde bocejando se escondia
Nas nuvens douradas do horizonte.

Num galho próximo,
Duas juritis apaixonadas
Não se intimidavam
Com a arenga do bem-te-vi.

As rosas inquietas no jardim
Se agitavam de volúpia,
Desprendendo das suas corolas
O perfume que no ar se expandia

Ainda era dia...
Quando o navio do tempo
Atracou no cais do desencontro
E ele a viu partir

Nada fez para impedir
Nem poderia – ou poderia?
Nunca saberia!

No horizonte, algo ainda se via...
Um lenço agitado ao vento,
Ou uma gaivota seria?

Nada mais importava,
Ambas se forma...
Mas a dúvida, não!

A Ave Canora


Inebriada de Amor
Minh’alma altiva clamou:

“Deixa Senhor que eu seja o teu cantor
E que o meu cantar
Seja um hino em teu louvor”

Após o silêncio que em seguida imperou
Uma voz singular ecoou
Na concha do meu ouvido:

“É fácil atender ao teu pedido
“E para muitos antes de ti
“A mesma petição deferi...

Na fauna, o rouxinol, a humilde juriti
“E quem na densa floresta adentrar
“Poderá escutar o uirapuru a cantar

“Mas neste mundo de eterno competir
“Quem tem parado para me escutar
“Na voz do pássaro a cantar,
“Ou meditar no seu próprio existir?

“Em Assis, séculos atrás,
“Um rapaz abandonando a guerra
“E regressando à sua terra
“Construiu uma capela para me louvar

“Mas a alegria dos pobres,
“Que ali se reuniam, durou pouco
“Incendiaram o pequeno templo
“E o trataram como louco...

“Mas ao queimarem a capela
“Tive o mal a meu serviço,
“Prestando-me real benefício;

“Mostrando que posso estar
“Permeando todo o universo
“E na natureza expresso
“Meu amor pela criatura,

“Que terá toda ventura
“Quando, como Francisco,
“Ver-me sempre refletido
“Na beleza da criação...

“E louvar-me com alegria
“No altar do seu coração”

Emudeci compreendendo o teorema;
Com lágrimas nos olhos, humildemente, pedi:
“Pai, deixa-me ao menos escrever poemas?”

Vindo do jardim, um som conhecido ouvimos:
“Bem-te-vi!”
Sorrimos...

O Dealbar da Aurora


Ali estava a razão da minha peregrinação.
O Mestre, em posição de lótus, sentado
E em semicírculo, a seus pés, seus discípulos

Seus olhos cintilavam
E pareciam que bailavam
Inebriados de divina alegria...

Um discípulo cego
Dele se aproximou;
Humildemente, sua fronte inclinou
E suplicante pediu:

“Aquele que o cosmo ilumina
“E que através de ti nos ensina
“Conduza aos meus olhos Sua luz

“E libertando-me da cruz
“Me faça perceber no arrebol
“O tênue resplendor do sol”

O mestre lhe respondeu:
“Eu não tenho o poder de curar”

Retrucando, o discípulo falou:
“Para Deus não há limites!
“Ele que acende as estrelas
“E as velas da nossa alma
“com misteriosa refulgência de vida,
“Pode trazer-me, seguramente,
“O brilho da visão perdida”

O mestre o tocou na testa
No ponto médio entre as sobrancelhas, dizendo:
“O esplendor do sol terá uma aurora especial para ti
“A tua fé te curou!”
E, naquele mesmo dia, ele contemplou
A bela face da natureza...

Pai


Num gesto de amor
Geraste a nossa vida
À imagem e semelhança do Criador.

A tua presença vigilante
Foi amparo nos primeiros passos
Que ensaiamos vacilantes

O teu nome – pai
Encontrava eco em nós
Como uma voz de comando – vai!

Íamos, mas sempre voltávamos
Buscando o amparo do teu braço forte,
Âncora da certeza que buscávamos

De que os barcos das nossas esperanças
Não ficariam à deriva da sorte
No mar das emoções sem norte.

Pai, diante dos teus cabelos brancos,
Somos ainda as crianças que um dia
Levantando nos teus braços
Alçaste aos céus...

Como a ensinar-nos que deveríamos
Ir além da tua própria medida de vida,
Buscando a medida do Pai maior – Deus.

O Despertar


Amanhecia...
Em suave letargia
Minh’alma despertou
Para um novo dia...

Lá fora, os raios de sol,
Quais pincéis de luz,
Avivavam as cores
Da natureza, esmaecidas
Pelo toque da fada da noite...

O chilrear de pássaros
Nas árvores mais próximas,
Aliado a outros sons comuns,

Soava como cantoria
De singela ladainha,
Que ecoando no templo do Universo,
Evocavam o Criador...

Integrada à natureza
Minha percepção foi dilatada,
Intuindo que Ele se expressa
De infinitas formas, em tudo que criou...

Eternamente presente – o Amor.